A "Família Corporativa": A Psicanálise Explica as Dinâmicas Ocultas da sua Equipe
- alexhamada2
- 20 de ago.
- 4 min de leitura
Toda equipe tem suas próprias regras não escritas. Há o "rebelde", o "cuidador" e o silêncio constrangedor que paira quando certos tópicos são mencionados. Muitas empresas gostam de usar a metáfora da "família", mas raramente param para pensar no que isso realmente significa: um emaranhado de lealdades, rivalidades, papéis inconscientes e muita bagagem emocional.
Se você já sentiu que as reações da sua equipe pareciam desproporcionais ou ilógicas, você estava testemunhando o inconsciente do grupo em plena atividade.

Para Além da Tarefa: O Grupo de Trabalho vs. O Grupo de Suposto Básico
O psicanalista Wilfred Bion descobriu que todo grupo opera em dois níveis simultaneamente:
O Grupo de Trabalho: O nível consciente e racional, focado em uma tarefa.
O Grupo de Suposto Básico: O nível inconsciente e emocional, onde o grupo se comporta como se tivesse um propósito secreto para lidar com a ansiedade de estar junto.
Esses "supostos básicos" sabotam a produtividade. Veja se você reconhece sua equipe em algum deles.
1. Suposto Básico de Dependência: "O Líder Nos Salvará"
A equipe age de forma passiva, esperando que um líder onipotente resolva tudo. A fantasia é: "Somos fracos, precisamos de um salvador".
Como se manifesta:
Reuniões em Silêncio: A equipe olha para o líder esperando a "resposta certa" em vez de debater.
Paralisia Decisória: O time transfere o risco da decisão final para o líder, pedindo sempre "mais informações".
Idealização e Desvalorização: O líder é visto como um messias que, ao primeiro erro, se torna o culpado por todos os males.
2. Suposto Básico de Luta-Fuga: "O Inimigo Está Lá Fora (ou Aqui Dentro)"
A energia do grupo é canalizada para atacar ou fugir de um inimigo. A fantasia é: "Nossa união só existe através do ódio a um inimigo".
Como se manifesta:
O Inimigo Interno: A clássica guerra entre departamentos ("Vendas vs. Marketing"), com fofocas e sabotagem.
O Inimigo Externo: A culpa pelo fracasso é sempre de um cliente "irracional" ou de um concorrente "desleal".
O Líder como Inimigo: A equipe sutilmente mina a autoridade de um novo líder para preservar o "jeito antigo" das coisas.
3. Suposto Básico de Acasalamento: "Alguém ou Algo Mágico Virá nos Salvar"
O grupo deposita sua esperança em um evento futuro ou em uma dupla de "salvadores". A fantasia é: "Nossa salvação está por vir e nos livrará dos problemas atuais".
Como se manifesta:
A Espera pelo "Projeto Salvador": Os problemas de hoje são ignorados em nome de um futuro projeto grandioso que "resolverá tudo".
A Fixação no "Novo Contratado": A equipe acredita que a próxima contratação será a solução mágica, colocando-se em espera passiva.
A "Dupla Criativa": O grupo elege duas pessoas como a fonte de todas as boas ideias, abdicando de sua própria responsabilidade de criar.
O que Fazer se Você NÃO é o Líder? Passos para o Liderado
Estar em uma equipe governada por um desses supostos básicos é desgastante. Tentar "mudar" o grupo ou o chefe é inútil. O único movimento possível é mudar a sua posição dentro da dinâmica.
Se sua equipe está em modo de Dependência...
O risco para você é se tornar invisível ou ser visto como mais um "filho(a)" passivo.
1. Não Seja Mais um Filho(a) na Reunião: Em vez de levar apenas problemas ao seu líder, leve propostas. Prepare-se e apresente uma ou duas soluções ponderadas. Isso te desloca da posição infantil de "me diga o que fazer" para a posição adulta de "esta é minha análise profissional".
2. Crie Autonomia no seu Microssistema: Concentre-se em entregar seu trabalho com excelência, clareza e o mínimo de necessidade de supervisão. Torne-se um ponto de referência de responsabilidade e autonomia. Enquanto o grupo espera, você age. Isso constrói seu capital profissional.
Se sua equipe está em modo de Luta-Fuga...
O risco é ser sugado para a paranoia, para a fofoca e para conflitos que drenam sua energia e mancham sua reputação.
1. Recuse o Uniforme da Batalha: Quando a conversa descambar para a reclamação ou ataque ao "inimigo" (outro setor, um colega), não alimente o fogo. Mantenha-se neutro e redirecione a conversa para a tarefa. Use frases como: "Entendo a frustração, mas focando no nosso projeto, o que precisamos fazer concretamente?".
2. Construa Pontes, Não Muros: Faça o movimento contrário ao do grupo. Crie relações profissionais e cordiais com pessoas do "departamento inimigo". Uma simples conversa para alinhar uma tarefa, feita de forma respeitosa, é um ato poderoso que te retira da dinâmica de guerra.
Se sua equipe está em modo de Acasalamento...
O risco é se contagiar pela passividade e pela negação dos problemas reais, apostando em um futuro mágico que nunca chega.
1. Seja o "Adulto na Sala" (com gentileza): Não ataque a esperança do grupo, mas ancore a conversa na realidade. Faça perguntas pragmáticas: "Essa visão de futuro é ótima. Mas, para esta semana, qual é o plano de ação para o problema X?". Traga o foco para o aqui e agora.
2. Entregue Valor no Presente: Enquanto a equipe sonha com o "projeto salvador", concentre-se em entregar resultados concretos nos projetos atuais. Sua performance será baseada na realidade, não em uma promessa. Isso te diferencia e protege sua carreira da paralisia coletiva.
Como um Líder Pode Atuar Nisso?
O primeiro passo não é "consertar", mas sim reconhecer e nomear o que está acontecendo. Um líder que compreende essas dinâmicas pode:
Identificar o padrão: Em qual "suposto básico" minha equipe está operando agora?
Trazer o grupo de volta à realidade: Fazer perguntas que direcionem o foco para a tarefa real.
Evitar cair no jogo: Não aceitar o papel de salvador, não personificar o inimigo e não endossar a esperança mágica.
A psicanálise oferece um mapa para navegar no território caótico das relações humanas no trabalho, mostrando que, quando uma equipe não funciona, o problema raramente está na competência técnica, mas nas fantasias que ninguém ousa nomear.
Se você lidera uma equipe ou faz parte de uma e sente que forças invisíveis estão sabotando o desempenho e o bem-estar do grupo, este é um trabalho que podemos fazer juntos.


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